O Brasil está no início de um grande ciclo de desenvolvimento de 10 a 12 anos!
Por: Eliseu ManicaFonte: Isto é Dinheiro
O ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, Dyogo de Oliveira, foi escolhido pelo presidente Michel Temer para comandar a tesoura dos gastos públicos. Combater privilégios, fechar ralos de desperdícios e enxugar a máquina pública são algumas de suas missões. Nada disso, no entanto, resolverá o problema fiscal do País se não houver mudanças nas regras das aposentadorias do setor público e do setor privado. “Não há relação dívida/PIB estabilizada sem a reforma da Previdência”, afirma Dyogo, como é conhecido em Brasília.
Nascido em Araguaína (TO), o economista de 42 anos havia integrado a equipe do Ministério da Fazenda, no governo Dilma Rousseff, antes de ir para o Planejamento. Em seu primeiro dia de trabalho, no cargo atual, em maio do ano passado, ele levou um susto. “Tive uma reunião sobre causas indígenas e outra sobre a Base de Alcântara”, conta Dyogo, de forma descontraída, enquanto é fotografado na sede do BNDES, em São Paulo. “Aqui no Planejamento é assim: tratamos de índios a lançamento de foguetes.” Nessa entrevista, Dyogo fala sobre questões polêmicas como o novo Refis, possível aumento de impostos e o encolhimento do BNDES.
– Quando o governo revisou a meta fiscal deste ano e do próximo, para um déficit de R$ 159 bilhões, ficou claro que o quadro não está fácil. É a receita que decepcionou ou foi a despesa que não caiu conforme o planejado?
DYOGO DE OLIVEIRA – Temos um problema estrutural do lado da despesa, incluindo a Previdência, mas, neste ano, o problema foi no lado da receita. Nós tivemos, ao longo dos últimos 20 anos, um crescimento permanente da despesa, que chegou a quase 20% do PIB. Neste ano, fizemos o orçamento já com base na lei do teto dos gastos, antes mesmo dela ter sido aprovada. Portanto, do lado da despesa, o orçamento já estava contido. Apesar disso, nós ainda estamos hoje com um contingenciamento desse orçamento de quase R$ 33 bilhões. Este ano, conjunturalmente, o problema está mais do lado da receita. Tivemos uma perda de receita de, aproximadamente, R$ 50 bilhões. Uma parte disto foi recomposta com o aumento do PIS/COFINS sobre combustíveis, que deu, mais ou menos, uns R$ 10 bilhões. Ainda temos uma perda de receita de quase R$ 40 bilhões neste ano. A maior parte disto é efeito inflacionário.
– A inflação baixa está diminuindo a arrecadação?
OLIVEIRA – Sim. A inflação está muito abaixo da previsão que se tinha, o que é ótimo para quase tudo, mas afeta a arrecadação. Nós contabilizamos que a redução da inflação deve explicar, mais ou menos, entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões desta perda de arrecadação. Há uma série de outras contingências que ainda estão afetando a arrecadação, principalmente os créditos tributários acumulados nos anos de crise. As empresas carregam estes créditos e passam a utilizá-los à medida que elas vão tendo mais imposto a pagar.
– A culpa, então, não é do baixo crescimento do PIB?
OLIVEIRA – Não. Para dizer a verdade, vamos acabar tendo um crescimento do PIB até um pouco maior do que a gente estava prevendo. A nossa projeção estava em 0,5% e, agora, a maioria dos economistas está falando em 0,7%. E essa é a outra notícia muito positiva, nós estamos com uma inflação muito baixa e com a economia realmente se recuperando de uma maneira sólida. A nossa projeção para 2018 também deve ser revisada para cima [a previsão atual é de 2%].
– Na crise, quando o calo aperta, é mais barato para o empresário deixar de pagar o governo do que o banco. Isso não ajuda a explicar a queda da arrecadação?
OLIVEIRA – A empresa que está em dificuldades, evidentemente, vai escolher a solução mais rápida e mais barata. Atrasar tributos não é necessariamente a mais barata, mas é a mais rápida, porque você não precisa fazer um empréstimo, você simplesmente não paga. Agora, o não pagamento de tributos tem juros e tem multa.
– Nesse contexto, o Refis não pode ser um estímulo para a empresa deixar de pagar, na expectativa de que, lá na frente, virá um novo Refis?
OLIVEIRA – Sinceramente, eu não acho que uma empresa que está em boas condições financeiras opte propositadamente por não pagar. O não pagamento de tributos implica em uma série de restrições, inclusive de acesso a crédito, fornecimento para o setor público etc. Mas uma empresa que está em dificuldade realmente opta por atrasar seus pagamentos exatamente porque é mais fácil. E é mais fácil porque ele acredita que, no futuro, vai ter outro Refis.
– Quem elogia o Refis normalmente diz que se trata de um instrumento que traz de volta ao mercado empresas que estão debilitadas. Quem critica afirma que acaba premiando o mau pagador. Com qual argumento o sr. concorda?
OLIVEIRA – Sem dúvida, o Refis gera essa percepção de uma certa injustiça ao bom pagador. Mas, tem um lado muito positivo, porque o Refis não só viabiliza uma série de empresas a voltar ao jogo, como viabiliza que elas voltem a pagar tributos. O Refis, de fato, é uma medida polêmica.
– Afinal de contas, a proposta do Refis aprovada no Congresso Nacional agrada ou não à equipe econômica?
OLIVEIRA – Há pontos que suscitam preocupação, que ainda devem ser discutidos.
– A inclusão de empresas enquadradas no Simples desagradou?
OLIVEIRA – Isto será analisado. Há uma dúvida sobre a constitucionalidade disto, porque o Simples já tem um parcelamento especial, que inclusive foi aprovado no ano passado. Isto é tratado em lei complementar, porque tudo que envolve o Simples é matéria de lei complementar. E o Refis é uma lei ordinária, portanto ele não deveria poder mudar as condições do Refis do Simples, que estão em lei complementar.
– Então pode ocorrer algum tipo de veto pelo presidente Michel Temer?
OLIVEIRA – Sim, por inconstitucionalidade. Isto vai ser avaliado.
– O sr. mencionou que a inflação baixa reduz a arrecadação, mas permite uma queda muito forte dos juros, que pode ajudar na rolagem da dívida. A queda dos juros não é suficiente para estabilizar a relação dívida/PIB, mesmo sem a reforma das Previdência?
OLIVEIRA – Não. O nível atual da dívida bruta do Brasil já é elevado para países com características semelhantes às do Brasil. A reforma da Previdência permite que nós tenhamos uma estabilização da dívida nos próximos anos. Nas nossas análises, ela se estabilizaria em torno de 80% do PIB.
– Com a reforma da Previdência?
OLIVEIRA – Com a reforma. Sem a reforma, isso se torna um grande desafio para a economia brasileira. Não há relação dívida/PIB estabilizada sem a reforma da Previdência.
– Passada a votação da segunda denúncia contra o presidente Temer na Câmara dos Deputados, nos próximos dias, o sr. vê espaço para a reforma da Previdência avançar ainda neste ano?
OLIVEIRA – Sim, sem dúvida. O Congresso Nacional tem isso já em sua pauta e os líderes estão discutindo isto. É uma das pautas mais importantes hoje para compor este cenário de reequilíbrio das contas públicas.
– A ideia é votar o projeto que já passou pela comissão especial da Câmara dos Deputados? Esse projeto, após ajustes, teve a economia estimada em 10 anos reduzida de R$ 800 bilhões para R$ 600 bilhões, certo?
OLIVEIRA – Isso. Nós partiremos desta base.
– Aprovar somente a idade mínima seria frustrante?
OLIVEIRA – A reforma da Previdência, acima de tudo, tem de olhar para o lado da justiça do sistema. Não dá para alterar apenas uma parte e deixar as outras partes incoerentes. Há o Benefício de Prestação Continuada [BPC], que é um benefício em que a pessoa não contribui e pode se aposentar ganhando um salário mínimo. Há também o Regime Geral, que é o regime de todos os trabalhadores privados, em que 60% das pessoas que contribuem se aposentam ganhando um salário mínimo. As regras para estes dois sistemas não podem ser as mesmas. Tem de haver uma coerência com quem contribui e com quem não contribui. Assim como em outras coisas, como o setor privado e o setor público. Hoje, a previdência do setor público é mais benéfica que a do Regime Geral. A proposta que está na Câmara iguala as condições. Passaríamos a ter um sistema coerente e justo. Se você quebra isto, você aprofunda as incoerências do sistema e se torna ainda mais difícil justificar a reforma perante a sociedade.
– Então o governo não abre mão daquele relatório?
OLIVEIRA – Nosso ponto de defesa é o relatório aprovado, que já foi bastante discutido, bastante flexibilizado para atender às questões que geravam maior pressão do Congresso, mas que traz o resultado de que o País precisa para o ajuste das contas.
– Que retorno o sr. tem da área política sobre a possibilidade deste debate avançar no período eleitoral? É um risco deixar esse tema para 2018, um ano eleitoral?
OLIVEIRA – É claro que quanto mais próximo das eleições, isso fica mais difícil. Por isso, o esforço de discutir este ano ainda. Acho que vale o esforço.
– O ágio obtido nos últimos leilões de petróleo e de energia abre uma perspectiva de um descontingenciamento ainda maior do orçamento até o final do ano?
OLIVEIRA – Temos de fazer uma reavaliação de receita e despesas, que pode chegar a esta conclusão. E como nós estamos com mais de R$ 30 bilhões contingenciados no orçamento, que já era muito restritivo, muitos órgãos estão passando por dificuldades orçamentárias, financeiras, para manter o funcionamento básico de suas atividades. Se houver algum espaço, precisaremos atender estas demandas de funcionamento dos órgãos.
– O setor produtivo está preocupado com a devolução de R$ 180 bilhões do BNDES ao Tesouro Nacional, com receio de que o banco fique sem recursos para fomentar a economia. Há esse risco?
OLIVEIRA – Não faremos nada que prejudique a atuação do BNDES. O que acontece hoje é que o BNDES, efetivamente, não tem demanda suficiente para os recursos que ele está recebendo de volta do próprio setor. A estimativa é que, no ano que vem, o BNDES receba R$ 90 bilhões em pagamentos de empréstimos feitos. E as projeções indicam que o BNDES vai continuar aumentando o volume de recursos no seu caixa. O nosso princípio básico é de que não pode faltar recurso para o financiamento e o investimento que vão movimentar a economia.
– Outra preocupação do setor produtivo é se virá mais aumento de imposto. Dá para afirmar que não vem mais aumento de imposto ou este risco sempre existe?
OLIVEIRA – Nós não estamos discutindo nada disso. O que eu posso dizer de mais tranquilizador para o setor privado é de que não há nenhuma discussão, hoje, sobre aumento de impostos.
– Mas tem o ajuste da alíquota do PIS/Cofins, de 9,25% para 10%, que está sendo estudado. Seria para compensar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que excluiu o ICMS da base de cálculo desses impostos?
OLIVEIRA – Exato. Mas isso não é aumento de impostos.
– Existe o risco de o atual crescimento econômico ser um “voo de galinha”, dado que ele está muito calcado no consumo e quase nada em investimento?
OLIVEIRA – A natureza dos ciclos econômicos é esta. Durante a recessão, você acumula espaço de capacidade ociosa. Portanto, a saída do processo recessivo sempre vai ter de ser pelo lado da demanda, porque o empresário não vai aumentar o seu investimento quando tem ociosidade. Mas acontecendo isto, o próximo passo é ativar o investimento, porque o empresário começa a ocupar a capacidade ociosa. Recentemente, a Mercedes-Benz anunciou um conjunto de novos investimentos. Retomado o consumo, as empresas começam a ter confiança para ampliar a produção e aí o sistema se reativa.
– Então a retomada do crescimento econômico, na sua avaliação, é realmente sustentável? Vamos crescer durante vários anos?
OLIVEIRA – Eu acredito, pelo nosso histórico, que o Brasil está no início de um grande ciclo de desenvolvimento de 10 a 12 anos, que é a média de nossos ciclos, e calcado em fundamentos muito sólidos, porque é um crescimento baseado em uma inflação baixa, em taxas de juros caindo e num mercado de trabalho que se recuperou mais rápido do que nós prevíamos, com o desemprego caindo para 12,6%. A renda está crescendo, o que é curioso. Com a inflação baixa, sobra mais dinheiro nas mãos das pessoas. Inflação baixa e a economia se recuperando, o mercado de trabalho reage. O consumo volta, as pessoas se sentem confiantes de que não vão perder seus empregos. Restabelece-se o ciclo de confiança da economia, que dinamiza a cadeia produtiva. É um processo fundamentado em bases muito sólidas, o que me dá confiança de ver um ciclo muito longo de crescimento com estabilidade, que é o mais desejável. O elemento que falta para completar este cenário é a estabilização fiscal, o nosso grande desafio.